Uma news nada comum #10: O monstro da indiferença
Fazendo turismo numa cidade não turística e um pouco de flashback.
O diabo é que, de tanto ver, a gente banaliza o olhar. Vê não-vendo. Experimente ver pela primeira vez o que você vê todo dia, sem ver. Parece fácil, mas não é. O que nos cerca, o que nos é familiar, já não desperta curiosidade. O campo visual da nossa rotina é como um vazio.
Começamos nosso sabático pelo Brasil, fomos de Minas Gerais ao Rio Grande do Sul, voltamos até São Paulo e de lá dirigimos pelo interior do Brasil passando por Goiás, Tocantins, Maranhão e Piauí. Quanta coisa a gente viu pela primeira vez que nem imaginava. Os olhos estavam frescos do acordar daquela nova fase da nossa vida. Ficamos maravilhados com os Cânions no Sul, a Chapada dos Veadeiros em Goiás, o Parque das Serras Gerais no Tocantins, a mundialmente famosa e nacionalmente esquecida Serra da Capivara, os Lençóis Maranhenses. Cada estado uma surpresa, uma paisagem nova em folha.
Quando chegamos no litoral decidimos que a volta seria fazendo seu contorno e quando atingimos Pernambuco uns meses depois a vista já estava cansada. Muitas praias dos sonhos, mas uma atrás da outra, fomos deixando de ver. Voltamos direto pra casa no fim do ano na expectativa de novidades.
O ano virou e saímos do Brasil com a mochila nas costas como era o plano desde o início e só não tinha vingado por conta do maior acontecimento do nosso tempo, a pandemia de COVID-19.
O primeiro destino foi o México, a passagem mais barata pro exterior determinou nosso roteiro. De lá fomos descendo toda a América Central por terra. Guatemala, Honduras, Nicarágua e Costa Rica. Depois de 6 meses entre ilhas, praias e vulcões, a vista cansou de novo. Tomamos um voo de San José pra Londres.
Mais 1 ano rodando os mais diversos países e passando por extremos de clima, da neve na Inglaterra, Bélgica e Holanda, aos extremos do verão na Turquia e na Romênia, pelos opostos culturais, da bagunça deliciosa da Grécia aos ultra organizados Noruega e Suécia. Terminamos nossa passagem pelo continente encarando a caminhada de 900km do Caminho de Santiago, de Saint Jean Pied-Port na França, até a costa espanhola em Finisterra.
Encerramos por ali nossa passagem pelo continente. Já estávamos nos acomodando e a ansiedade pelo ‘novo’ já batia na porta outra vez. Mesmo o Caminho de Santiago teve todas essas fases em 40 dias. Excitação no começo, o desafio psicológico do longo durante e o cansaço do fim.
Claro que digo isso do alto do privilégio de poder sair por aí desbravando o mundo. Mas me fez refletir sobre como podemos nos sentir assim mesmo numa situação onde tudo é sempre novo, todo mês, toda semana, todo dia. Onde a maioria das pessoas olha e enxerga uma situação dos sonhos da qual ninguém deve se cansar. Parar de ver como os olhos da descoberta não é um mal apenas da rotina de quem não viaja o mundo. É um mal do ser humano, um mal do nosso tempo.
Até certo ponto essa inquietação, essa ansiedade, é o que nos move adiante como sociedade, como seres humanos. Mas elevada ao máximo nos impede de valorizar o simples, e nos faz viver sem ver, sem notar a beleza nas pequenas ações do dia a dia, sem usufruir do que temos por perto, do que já conquistamos. Como se o melhor estivesse sempre por vir, na próxima viagem, no próximo ano, na próxima estação, quando eu tiver aquilo, quando eu não estiver mais nesse lugar. Nos fez deixar de ver sutis diferenças entre os lugares que passamos, o que em via de regra, os fazia únicos.
O hábito suja os olhos e lhes baixa a voltagem. Mas há sempre o que ver. Gente, coisas, bichos.
Mas enfim, digo tudo isso porque estamos há um mês numa cidade não turística aqui no Brasil. Num limbo de planejamento e espera pela próxima fase da viagem. Aquela ansiedade que nos move mas pode nos impedir de viver o hoje. Acontece que por saber que esse período seria assim pusemos um esforço maior em curtir nosso tempo aqui. Posso acrescentar a isso a experiencia com o petsitting, que nos levou a cidades fora da rota mais batida dos países, das quais pouco ou nada sabíamos e com essas vivências tomamos gosto por cavar por tesouros escondidos onde ninguém mais procura.
Em Campinas, como não temos turismos óbvios pra fazer, temos procurado por programações culturais, feiras, caminhadas, vasculhamos sites, nos empenhamos nas conversas com quem encontramos pelos rolês e num efeito inesperado temos tido o que fazer sempre. E coisas muito interessantes. Da Feira da Reforma Agrária a uma livraria que lançou livros da Hilda Hilst. Da caminhada “Campinas Assombrada” ao melhor mercadinho asiático que já topamos, Café Filosófico, cinema gratuito no MIS, etc…
Pra ver, bastou estar disposto.
pra viajar sem sair de casa

Na seção dos livros dessa news, nessa edição quero indicar dois livros de poesia que fizeram a minha cabeça no último mês. O primeiro foi Todas as Pequenas Coisas, da escritora Noemi Jaffe. E o segundo é O livro das Semelhanças da Ana Martins Marques. Ler poesia tem disso de te tirar da zona de conforto de um jeito muito especial. As brincadeiras que ambas fazem comas palavras me fizeram visitar lugares esquecidos da minha imaginação.
Descobri e me viciei em um podcast nesses últimos tempos e ele tem sido constante companhia nos meus treinos. É o Wiser Than Me, da Julia Louis-Dreyfus (aquela de VEEP e Seinfeld). Nele ela entrevista mulheres que ela diz serem “mais sábias que ela”(tradução literal). Recomendo muito o episódio com a escritora chilena Isabel Allende e um outro com a cantora americana Patti Smith (sou fã de ambas). Em inglês.
As citações ao longo do texto são de uma crônica chamada Vista Cansada, do escritor mineiro Otto de Lara Resende.
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